Crítica de PAULO MENDONÇA

Dois Perdidos Numa Noite Suja

Interrompo hoje o meu retrospecto de 1966 para registrar, ainda que tardiamente – o fato ocorreu semanas atrás, e por motivos vários, não pude testemunhá-lo – o nascimento de um verdadeiro autor dramático: Plínio Marcos que, com Dois Perdidos Numa Noite Suja, atual cartaz do Arena, conquista um lugar de destaque no nosso meio teatral.

Confesso que a coisa me surpreendeu. Embora amigos cuja opinião respeito já me tivesse falado das qualidades desse espetáculo – um dos materialmente mais modestos que já tenho visto e, intelectualmente, guardadas as proporções, dos mais estimulantes – não esperava que fosse tão bom.

Talvez não tenha muito cabimento tentar aqui uma colocação do texto de Plínio Marcos no grande quadro da dramaturgia contemporânea. Não sei até que ponto o autor está informado a esse respeito, nem sei se isso tem maior importância para a compreensão de Dois Perdidos Numa Noite Suja. É bem provável que não tenha nenhuma. Assim mesmo, apenas como pontos de referência para o público interessado, eu diria que essa peça é prima irmã de Zôo Story e prima em segundo grau de Esperando Godot.

Não vou, evidentemente, traçar paralelos impossíveis. Mas para quem tenha sido marcado, como eu fui, pelas citadas obras de Albee e de Samuel Beckett, algumas associações são inevitáveis: a mesma atmosfera sufocante, a mesma amargura fundamental, o mesmo mundo sem horizontes e sem soluções, o mesmo vazio denso de sofrimento, de frustração, de azedume, um vazio, se me permitem a contradição, espesso, abafado, opressivo, no qual as personagens se movem às cegas, abandonadas, como num aquário de água turva.

Plínio Marcos não fica, porém, na criação de um clima existencial de implicações filosóficas ou sociais. A partir desse clima, que é a sua matéria-prima, compõe uma situação humana pungente e, o que é principal, ima situação dramática vivida por gente de carne e osso, cuja verdade salta aos olhos, tanto na autenticidade envolvente da linguagem – cuja violenta aspereza não chega sequer a chocar, de tão espontânea – quanto nas motivações de conduta.

Há por certo, senões de técnica em Dois Perdidos Numa Noite Suja. A construção é um tanto simplista, limitando-se o autor a encadear momentos sucessivos, apagando a luz para marcar as separações, e o diálogo, se bem que fluente e vibrante, parece, uma ou outra vez, andar em círculos, repisando efeitos. A impressão geral, contudo, é de grande força expressiva.

Dos dois intérpretes, o que melhor se sai é o próprio Plínio Marcos, dando pleno rendimento à figura francamente diabólica de Paco. Ademir Rocha só lhe fica um pouco atrás porque o seu papel foi talvez menos sentido pelo autor, é mais premeditado, mais artificial. Mas deseje assistir a um ótimo espetáculo deve ir logo ao Teatro de Arena.

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